A constitucionalidade da prática do ensino religioso em
escolas públicas será analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em
breve.
Fora dos tribunais, partidários defendem pontos de vistas opostos
enquanto aguardam pela decisão da Justiça. De um lado, estão os que
vêem na disciplina uma porta para ensinamentos sobre respeito a amor ao
próximo. De outro, aqueles que enxergam a matéria como uma oportunidade
para imposição de valores apenas de determinados grupos.
Para Roseli Fischmann, por exemplo, "as escolas públicas devem servir
a todo cidadão e contribuir para formar um princípio de cidadania que
não beneficie nenhum grupo em particular". Professora da pós-graduação
em Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do
programa de pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de São
Paulo, ela questiona a constitucionalidade do ensino religioso, o que
considera "uma prática muito grave".
Na outra ponta da corda está o deputado federal Pastor Marco
Feliciano (PSC-SP), autor de projeto de lei que propõe a matéria como
obrigatória, mas que prevê a preservação do caráter facultativo da
matrícula pelo aluno.
"Embora nosso País seja laico, quer dizer, não tenha uma religião
oficial, a constituição foi promulgada em nome de Deus. Ou seja, o País
não tem uma religião oficial, mas não é um País ateu. Acredita-se em uma
força superior cujo nome é Deus. Então, é possível darmos a nossos
filhos pelo menos o pontapé inicial para que a alma deles se desenvolva
com os grandes ensinamentos: respeitar pai e mãe, não cobiçar a mulher
do próximo, não roubar, não matar", defende Feliciano.
Feliciano considera, contudo, que seu projeto não incentiva a
doutrinação. Para ele, trabalhar com a conversão dentro de uma escola
seria inconstitucional. Porém, o pastor indica a importância de
transmitir ensinamentos como a fé e a existência de um criador. "Se o
ensino religioso continuar facultativo, vai seguir insosso e insípido
como é hoje. Existe preconceito dos professores e dos alunos",
argumenta. O impacto da oferta do ensino nas escolas públicas também
poderia ser detectado na redução da violência, prevê o deputado.
O caráter facultativo que está previsto na Constituição, na Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) da Educação e, também, no acordo entre o
governo brasileiro e a Santa Sé - legislações que regulamentam o ensino
religioso no País - é questionado pela professora Roseli, principalmente
porque a disciplina compõe o currículo do ensino fundamental, que
agrega crianças entre 6 e 14 anos.
"Elas são vulneráveis, nem têm como se defender ou como debater seu
ponto de vista", salienta. No estado de São Paulo, por exemplo, as aulas
de ensino religioso do 1º ao 5º ano do ensino fundamental nas escolas
públicas são ministradas de forma transversal, ou seja, o conteúdo é
distribuído nas demais disciplinas. Esse método impede que as famílias
façam valer o direito de quererem ou não que os seus filhos se
matriculem na disciplina. "O professor não vai falar 'agora é religião,
quem não quer ouvir saia'. Mesmo que diga, os alunos podem sofrer
discriminação dos colegas, até algum tipo de cobrança", opina a
professora.
Oração antes da aula
No Colégio Estadual Santa Cândida, em Curitiba, no Paraná, o ensino
religioso faz parte da grade de disciplinas para os alunos do 6º e do 7º
ano do ensino fundamental. A secretária-geral e pedagoga da escola,
irmã Regina Mika, garante que a escola não privilegia uma única
religião, mas procura oferecer conhecimento sobre diversos tipos de
crença. Segundo ela, apesar de ser uma disciplina facultativa, todos os
alunos participam, sem qualquer registro de reclamação dos pais. A
pedagoga conta que, antes do início de cada turno de aula, é feita uma
oração "pedindo a benção de Deus para o dia de trabalho", que é
transmitida a todas as turmas por meio da rádio do colégio. "Mas é mais
como uma mensagem", ressalva.
Existem escolas que defendem a existência de ensino religioso, mas
oferecido como alternativa à transmissão de valores éticos, ou ainda
trabalhando a história das religiões em sala de aula. É o que ocorre em
algumas escolas particulares, como o Colégio ICJ, em Belo Horizonte
(MG). No currículo, é oferecida a disciplina de Formação Humana. O
ensino é "independente de qualquer religião", explica a professora Durce
Alves, que cita sexualidade, atualidades e voluntariado como alguns dos
temas desenvolvidos em aula.
O papel do professor
A crença do professor é outra questão levantada pela professora
Roseli Fischmann. Afinal, falar sobre diversas religiões e propor
atividades nesse sentido em sala de aula pode violar o direito do
educador de ter sua própria fé, entende Roseli. Ela reforça que a crença
pertence ao foro íntimo, à consciência de cada um. "Ninguém pode ser
obrigado a falar alguma coisa diferente daquilo que crê", diz.
Por outro lado, essa fé também poderia condicionar a visão e o
discurso do professor que se propõe a conduzir uma aula de ensino
religioso. Para o deputado, o tema seria solucionado com a capacitação
de pessoal. Em um dos pareceres da Comissão de Educação e Justiça da
Câmara dos Deputados, o relator Pedro Uczai inseriu no PL 309/11 um
parágrafo que prevê a criação, pelo Ministério da Educação (MEC), de
diretrizes curriculares nacionais para o curso de Licenciatura Plena em
Ensino Religioso, único que estaria credenciado para habilitar
professores dessa disciplina, desconsiderando Teologia, Filosofia e
outras áreas de conhecimento das humanas.
Para a professora Roseli Fischmann, a crença religiosa não é
incompatível com uma educação autônoma em relação a valores e ética. Mas
ela ressalta: "Não é dizer 'não faz isso porque Deus não gosta'. A
criança deve ser educada para ter consciência e ser responsável por seus
atos".
O tema deve ser analisado pelo STF a partir de uma ação movida por
cinco organizações educacionais e de direitos humanos em março deste
ano, que exige que seja assegurado o ensino religioso não confessional
(sem vinculação com igreja ou religião específica). Um dos pontos
contestados é a classificação do ensino como "parte integrante da
formação básica do cidadão" (art. 33 da Lei de Diretrizes Básicas).
Fonte:
http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5701986-EI8266,00-Obrigacao+ou+problema+Brasil+debate+a+religiao+na+escola+publica.html
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